Como representar a ausência: O inventário de coisas ausentes (2014), de Carola Saavedra

inventário

“Talvez seja isso, e quando o amor acaba resta apenas a ficção”

Às vezes passeio por livrarias a fim de encontrar títulos novos ou adquirir obras de autores que já conheço, mas ainda não li. A última vez que fiz isso foi no fim de semana passado, quando viajei pelas prateleiras de literatura brasileira em busca de alguém que eu ainda não conhecia. Encontrei O inventário das coisas ausentes, de Carola Saavedra, publicado em 2014. O título foi a primeira coisa que me chamou a atenção; depois, a autora. Devido ao meu trabalho ser relacionado à literatura inglesa, desde a faculdade eu leio poucos títulos publicados no Brasil. Não ler literatura brasileira com certa frequência é um erro que eu estou tentando resolver, e foi por isso que saí da livraria com o romance mais recente de Carola Saavedra.

O inventário das coisas ausentes é tanto uma tentativa de ficção quanto uma ficção completa. O livro é dividido em duas partes: “Caderno de anotações” e “Ficção”. Quando começamos a ler o livro, não temos ideia do que a autora está tentando realizar. Depois, com a leitura se encaminhando para a segunda parte do romance, vemos que as “anotações” da primeira parte são como testes de um escritor que cria histórias, passados e futuros para seus personagens. As anotações que lemos antes começam a fazer todo o sentido. É como se acompanhássemos em tempo real a composição do livro.

Assim acompanhamos a construção de Nina, 23 anos, chilena radicada no Rio de Janeiro. Ela conhece o narrador-escritor sem nome, que tenta mostrar as raízes de Nina, seus antepassados e suas trajetórias. Aprendemos que o narrador-escritor tem uma relação difícil com pai, mas não quer escrever sobre isso por não gostar de autobiografias. Ele nos apresenta seus pensamentos em diversos fluxos de consciência e através do discurso indireto livre. A ausência de aspas nas falas aumenta ainda mais a sensação de que tudo ali é criação do narrador-escritor: Nina, o pai, o avô, a empregada do pai, o passado. É como se o narrador-escritor estivesse lutando para representar o que não pode alcançar, o que foi embora, o que nunca teve. Esses recursos fazem do livro um verdadeiro inventário de coisas que não são ou estão. Ausências.

Sobre o romance, Carola Saavedra escreveu que:

Em O inventário das coisas ausentes trabalho precisamente com esse paradoxo: as anotações registram memória e esquecimento. Trata-se de um livro sobre a origem, a origem dos protagonistas (sua genealogia), assim como a origem da própria ficção. Há uma história (um pai e um filho se reencontram depois de vinte e três anos, uma relação cheia de decepções e rancores mútuos) e há também as anotações que direta ou indiretamente o autor/narrador fez para chegar a esse enredo. As histórias que o inspiraram, seus medos e obsessões, e principalmente Nina, um amor de juventude, cuja lembrança ele tenta resgatar (SAAVEDRA 2014).

Carola afirma que seu objetivo foi mostrar seu próprio processo de criação. Antes de escrever um romance, ela faz anotações sobre temas e personagens em cadernos. O inventário das coisas ausentes é, então, um exemplo de escrita autoconsciente cujo objetivo é integrar o leitor no processo criativo. Carola realiza tal coisa de maneira simples, mas ao mesmo tempo muito eficiente e clara. Sua escrita é rápida e a leitura corre facilmente. Li as 122 páginas do romance em um dia.

Outro tema de grande importância em O inventário de coisas ausentes é a ditadura, que afeta diretamente a vida de alguns personagens. Carola Saavedra nasceu no Chile que, assim como o Brasil, sofreu com regimes totalitários. Penso que O inventário é um título que não deve ser ignorado por aqueles que estudam as representações literárias da ditadura e dos traumas coletivos.

2 comentários sobre “Como representar a ausência: O inventário de coisas ausentes (2014), de Carola Saavedra

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